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O que a Pedagogia tem a aprender com o Rap


Primeiramente quero dizer que escreverei esse texto da maneira mais simples possível, para que a maioria das pessoas possam entender. Pois como professor, que a função é ser a ponte entre o aluno e o conhecimento, escrever de uma maneira “difícil”, elitista e excludente, que afasta em vez de trazer, é pior do que ficar calado. Seria o equivalente a bombeiros de lança chamas. 

Vou separar por partes e colocar links que gostaria que ouvissem, vai ser demorado, mas peço que percam esse tempo, talvez possamos ganhar vidas. 

A IMPORTANCIA DE NÃO EXCLUIR O ALUNO

Acredito que todos os professores tenham a consciência de que não se deve dizer a um aluno “ta errado seu burro” ou “esse monte de rabisco é sua família? “. Vygotsky já falava sobre a interiorização de regras, a imagem de si mesmo que a pessoa tem (autoconceito) é baseada na sociedade. Esse autoconceito pelas crianças é baseado nos pais, professores e sociedade ao redor, existe uma diferença entre o que uma pessoa acha que é para o que realmente ela é e quanto mais jovem for, mais distante pode estar uma coisa da outra, pois o pensamento racional sobre as regras ao redor e uma reflexão de si mesmo só começa a partir dos 7 anos, a idade que os amigos imaginários vão embora e a criança é capaz de começar a pensar sobre si.
Importante dizer que Piaget dizia que a criança internalizaria regras pelo ambiente em que ela está, ou seja, ela interiorizaria as regras mesmo estando sozinha. Mas Piaget estava falando de regras motoras e Vygotsky da parte social, afetivo. 

O mesmo acontece com Wallon, Piaget diz que o desenvolvimento não para, mas estava se referindo ao desenvolvimento físico, se você dizer a uma criança que ela é baixinha, muito pequena, que nunca vai crescer... ela não vai desenvolver nanismo. Já Wallon diz que a AFETIVIDADE pode regredir, uma criança com capacidade emocional de fazer um exercício em sala de aula, pode perder essa capacidade por um simples “ta tudo errado” dito sem querer pelo professor, pois é dele que ela tira a imagem de si, como disse Don L "Uma frase muda o fim do filme". eles não discordavam, estavam falando de coisas diferentes. Freud chamava de introjeção, você trazer regras para dentro de você e generalizar. É importante lembrar que a consequência disso é relativa, não é de todo mal. a criança pode internalizar “meu cabelo é igual ao da Moana”, “meu cabelo é cacheado” ou “meu cabelo é duro”. Depende de nós como sociedade, responsáveis e professores, fazer o máximo possível para que não contemos a mentira de que uma criança não é capaz de aprender. 
Eu mesmo tive uma experiência ainda criança de mudar de escola do antigo C.A. para a primeira série, vindo de uma escola que não trabalhava as letras de cursivas, só sabia escrever com letras de forma e ainda via as letras cursivas como um monte de voltinhas iguais. tive que aprender a ler letra cursiva olhando para um alfabeto que tinha as duas formas, vendo letra por letra do quadro e achando elas no alfabeto. Me lembro de no primeiro dia só copiar 2 linhas e a professora dizer “Você só copiou isso e ainda fez com a letra errada?”, tive sorte de já ter 7 anos e absorver aquela regra como “que professora burra, não entende” e não como “eu não sei escrever”. Mais tarde, no ensino médio tive contato com alunos do EJA que, em maioria, tinham essa regra de “eu sou burro” internalizada. 

Ao mesmo tempo que você fica profundamente abalado com tanta gente com falta de esperança de si mesmo, você fica perplexo com a genialidade de Paulo Freire e dos professores de conseguir fazer com que essas pessoas voltem a escola. No ensino médio também tive contato com gente com esse autoconceito até muito alto, desde a aluna chata que levantava a mão para repetir o que o professor acabou de dizer (palestrinha, problema do filho único endeusados pelos pais), a aluno que até era bom, poderia melhorar muito se não fosse tão burocratas e que mesmo tendo nascido em 2000, estava travado na educação do século 19. E o pior de todos, uma professora extremamente rigorosa. Seus alunos batiam ponto nos estágios, todos com uniforme impecável, mas que aprendiam a usar mimeógrafo, onde já temos EAD ou impressoras WIFI que imprimem 10 páginas por minuto. Se importava tanto com a imagem dela, passou tanto tempo olhando para o espelho, que não viu 50 anos passar atrás e, como diz Djonga em uma música com o artista mais famoso do meu bairro “Os bons somem cedo por excesso de elogio, fiquei melhor de tanto me criticarem”, de tanto elogiarem essa parte burocrática, ela viciou e achou que isso era o que mais importava, ao chegar ao ponto de dizer que aluno com roupa um pouquinho amassada não entraria, até recomendei mandarem a roupa bem passadinha e ficar em casa, já que era a roupa passada que importava. Como dizia outro artista do meu bairro “Estudante, tira o boné e levanta a calça, seus bando de mala sem alça, isso realça descriminação”, com esses dois assuntos “professores parados no tempo” e “artistas do meu bairro”, vamos para a próxima parte. 

CONFLITO ENTRE GERAÇÕES
Como esse texto é focado em apresentar a língua da juventude para os profissionais da educação que em algum momento se desconectaram, se você tem alguma dúvida se sabe ou não a língua dos jovens, sugiro que ouça “n me sinto mal mais – Sidoka" antes de continuar. Bom, considerando que você já ouviu, conseguiu entender a reflexão sobre meritocracia, ascenção de pessoas sobre classes sociais, sociedade líquida, depressão e a juventude perdida nas drogas? Entendeu a referência a “Jorge Maravilha – Chico buarque”? Ou a única frase que entendeu foi “Esperando a droga bater”? Deixada mais clara propositalmente pelo artista, brincando justamente com a ideia de ele ter falado tanta coisa, mas quem está de fora só ter ouvido “droga”. Quantas músicas como essa você não viu com maus olhos pois já julgar fútil? Você é uma das pessoas que Sidoka queria “brincar”, deixando uma frase como aquela a única claramente inteligível da música para quem olha de fora torcer o nariz ou proibir o filho de ouvir? A música “n me sinto mal mais - Sidoka” e “Jorge Maravilha – Chico Buarque” tem o mesmo conceito, com linguagens de gerações diferentes, e você? Você proibiria a música do Sidoka como os sensores do governo faziam com a do Chico ou trabalharia ela? Você trabalha com mimeógrafo ou com impressora WIFI? Você trabalha textos antigos como Dom Casmurro com uma linguagem que nunca vão usar ou um texto que fale sobre a atualidade, talvez explicando a linguagem formal e informal utilizando gírias e abreviações da internet? Você trabalha com mimeógrafo ou impressora WIFI? Você trabalha um filme extremamente famoso entre os jovens que fala sobre "Um alienígena super forte que está tentando reunir 5 joias que darão para ele poder infinito, e para evitar que metade da vida do universo suma, centenas dos heróis mais famosos estão juntos para detê-lo" ou um texto que o clímax é "Capitú talvez traiu" coisa que não surpreende mais, da para ver real e ao vivo no BBB. Você só considera virtuoso Chico Buarque e Dom Casmurro e descarta Sidoka e Vingadores? Você se lembra quando Chico Buarque e Dom casmurro era descartados e o virtuoso eram os da época de seus pais? Você trabalha com mimeografo ou impressora WIFI?
Para entender melhor Sidoka e a juventude, assista o vídeo "Qual é a língua do Sidoka" e se você ainda não se convenceu da virtuosidade da arte da juventude, assista esse vídeo "Don L, Mozart e Lúcifer | Roteiro para grandes artistas" que fala um pouco sobre a nova arte sempre ser vista como não virtuosa pelas pessoas que não estão acostumadas. Também é importante dizer que a maioria das músicas vão ter palavrão, quero que entendam que faz parte da linguagem, o que explica esse vídeo "Sant, Metalinguagem e o Rap de referências", como um simples palavrão pode ter mais significado do que quem vê e torce o nariz de primeira pode perceber. Partindo da ideia de que você já entendeu o Rap, vamos para a próxima parte.  

O RAP
Provavelmente o gênero musical com mais artistas diferenciados um dos outros e o mais inclusivo por ser tão diverso, o rap não possui uma característica de instrumentos fixa como violão da bossa nova, a guitarra do rock, o pandeiro do pagode e nem mesmo os instrumentos virtuais da eletrônica, não segue sempre o mesmo bpm como o funk, por isso existe alguns subgêneros como trap, boombap, acústico. A variedade também está nos artistas, seja pelos mais velhos como Mano Brown ou Don L, ou pelos mais novos como Caveirinha. O tema das músicas também é bem variado, desde as calmas love songs aos agressivos no melody. Um desses temas é a Ego Trip, músicas para animar, para levantar, dar força. E dentro disso também há mais variedades, seja

- A reflexão sobre o tempo e a vida de "Don L - Laje das Ilusões"
- O grito de rebeldia da juventude de "Djonga - Vida Lixo"
- As letras calmas, emotivas e religiosas de "Filipe Ret - Abençoado"
- A resistencia sem medo da "Quebrada Queer"

A próxima música precisa entender um pouco mais sobre a história do rap e as formas de expressão, um resumo partindo do Tyler The Creator é o vídeo "Tyler the Creator é superestimado?", que fala sobre personagens na música, coisa que ainda é tabu, principalmente no brasil. Para entender NGC.Borges é preciso entender que a música é uma forma de arte e que pode existir personagens, assim como no cinema, que já é aceitável um ator fazer papel de bandido para contar uma narrativa, na música não é diferente. Não saber diferenciar o personagem NGC.Borges da realidade é como achar que Renato Russo casou com a Mônica ou com Maria Lucia. 

- A revolta agressiva de "NGC Borges - AK DO FLAMENGO ft. NGC Flacko

Outra música nesse estilo é "Meno Tody - Shopping" para explicar ela eu teria que escrever 5 livros, indo de James Brown até Mc Frank & Tikão, mas para resumir, vou usar apenas Mr. Catra e Djonga. Acredito que posso dispensar as apresentações para o Catra mas talvez você esteja perdendo seu tempo aí sem nunca ter ouvido Djonga. Basicamente, também conhecido como “Deus”, é o rapper mais famoso da nova geração, com letras extremamente fortes que tratam sobre racismo, criador da expressão “Fogo no racista”, talvez o segundo maior poeta da língua portuguesa, perdendo apenas para Mano Brown, mas isso é opinião minha, temos que respeitar a diversidade de gosto e entender que tem pessoas que consideram o Rap como poesia e tem pessoas que não entendem nada sobre poesia e Rap. Voltando a Mr. Catra, em 1999, lançou uma música chamada “trafico cultural” parte do álbum O Fiel, a música brincava com os sentidos das palavras e o preconceito com o morador de favela. Com letras como “Meu movimento é político social, meu tráfico é cultural”, brincando com as palavras tráfico e movimento terem significado negativo e serem usadas generalizando todo morador de favela, mas ele ressignifica, trazendo um novo sentido como quem diz “pode chamar de traficante, eu não ligo, o que eu faço é maior que isso”. Com o passar dos anos muitas outras músicas traziam esse mesmo significado, “já que não vão parar de me chamar de traficante, agora eu sou traficante, mas eu trafico informação, cultura...”. Em 2019, Djonga lança o álbum “Ladrão”, a primeira faixa termina com um poema que diz

"O dedo, desde pequeno geral te aponta o dedo. No olhar da madame eu consigo sentir o medo. Você cresce achando que é pior que eles, irmão, quem te roubou te chama de ladrão desde cedo. Ladrão, então peguemos de volta o que nos foi tirado. Mano, ou você faz isso ou seria em vão o que os nossos ancestrais teriam sangrado [...] Eu faço isso da forma mais honesta, e mesmo assim vão me chamar de ladrão. Ladrão."

A faixa que leva o nome do album começa com

"Eu vou roubar o patrimônio do seu pai, dar fuga no chevette e distribuir na favela. Não vão mais empurrar sujeira pra debaixo do tapete e nem pra baixo da minha goela! Eu sou ladrão . . . Os cara faz rap pra boy, eu tomo dos boy no ingresso o que era do meu povo. Todo ouro e toda prata, passa pra cá, o mais responsável dos mais novo."

e tem um refrão que diz “Um salve pros fiel que acredito, Uooo Eu sou ladrão, E pros perreco é poucas [...]”. Outra obra do mesmo sentido, ressignificar o que é usado como pejorativo, como a palavra “ladrão” para o povo preto e de favela, dizer “Sou ladrão sim, mas roubo no ingresso o dinheiro dos ricos e trago de volta para o meu povo” como Robin Hood. 
A partir desse princípio conseguimos entender Menó T, já na primeira rima da música ele diz “To com minha gangue traficando”, mas claramente é uma metáfora, seja por olharem para ele com os amigos e já assimilarem como traficantes, talvez por eles estarem produzindo e vendendo música que é considerado “uma droga” pela grande indústria, quem sabe por referência ao subgênero trap que tem a cultura de fazer músicas “viciantes”, eu diria que todos e talvez até mais sentidos tem essa frase. E é nisso que essa música trabalha, o duplo sentido livre, como um pouco a frente ele diz “Fui no shopping, assaltei a loja”, referência a um acontecimento que viralizou nas redes sociais do artista, em um vídeo que ele foi ao shopping e foi perseguido pelo segurança “Link do Vídeo”. Onde o sentido da frase aparentemente seria “Eu fui no shopping e assaltei uma loja”, quando na verdade pode ser “Se fui no shopping, logo, acham que eu assaltei a loja” ou “Fui no shopping e levei tudo que eu queria, porque agora eu tenho dinheiro”, como ele mesmo diz mais adiante “Eu não tinha nada, olha como eu to agora”.  Também vale destacar os versos pesados e íntimos como “Nos meus olhos muita dor, sei que tu pode notar, quando eu olho pro céu, lembro dos que estão lá”, mas o que quero dar destaque é o verso final da música

"Você sabe, é desde novo que eu to na vida loka. sério, eu larguei a escola e eu me formei na boca, mas eu juro pra você, não me orgulho dessa porra, eu sei que você espera que eu seja preso ou morra"

Meno T fala sobre uma realidade que é assustadoramente comum, crianças largando a escola e indo para o crime ou trabalhos como camelô (importante destacar a referência a Racionais Mc’s, sendo VIDA LOKA um termo inspirado em duas músicas do grupo, usado para quem está batalhando pela sobrevivência, seja no crime ou profissões marginalizadas mas que seriam pessoas boas, como a referência que o próprio Mano Brown faz a Dimas, que como ele diz “aos 45 do segundo arrependido”, referente a figura bíblica de Dimas que era um criminoso que se arrependeu e estava com Cristo em seu último momento). Mas ele também demonstra consciência de si como indivíduo em sociedade, ele não se orgulha e sabe que a sociedade espera dele ou de quem vem de onde ele vem, sabe que independente do que façam vão ser considerados traficante, ladrão, assaltante, que até sua arte vai ser tratada como não virtuosa e ignorada. 
Como educador, não podemos ignorar Meno Tody, Sidoka, Sant e dezenas de outros artistas, seja por a realidade que carrega nas letras, ou pelo contato com a arte da juventude, mas principalmente, para entender como alguém que largou a escola cedo consegue a atenção de MILHÕES de jovens e nós professores, que estudamos tanto, lutamos pela atenção de 50 e muitas vezes perdemos. Nesse momento precisamos ser humildes, ser Paulo, assim como diz Cortella nesse vídeo “link do vídeo", Paulo Freire é o brasileiro com maior número de títulos de doutorado, mas mesmo com 41 títulos, era uma pessoa humilde, como o próprio nome diz, Paulo significa pequeno. Precisamos saber que somos pequenos para poder crescer, porque quem acha que é grande, acredita que só pode crescer diminuindo o outro. Temos que ter humildade e entender que Meno Tody, Sidoka e muitos outros artistas tem muito a nos ensinar e não tentar diminui-lo como tratar como arte inferior ou julgar simplesmente impróprio por usar certas palavras, pois como já expliquei, muitas vezes significam outra coisa e quem se fechou esse tempo todo, está envelhecido e não fala mais a língua dos jovens, como dizia Raul “Eu não quero ranço de velhice, eu quero uma coisa nova, eu quero uma coisa novíssima. Então vamos fazer a cabeça dos novos porque a dos velhos já estão fritos", também acho importante destacar a diferença entre velho e idoso, idoso é quem tem 65 anos ou mais, velho é quem é arrogante, acha que é grande e já está com a cabeça frita.

MC PAULO FREIRE, PROFESSOR MANO BROWN E O ALUNO COMO PROTAGONISTA
Guimarães Rosa disse que a gente nunca entende aquilo que a gente não sabe, o que não experimentamos, provamos. Para trabalhar com alunos de diferentes realidades, precisamos de materiais diferentes. Não tem como discutir se o melhor parque da Disney é na California ou Florida com quem está ansioso pela merenda. Talvez até seja possível discutir sobre classes sociais com alunos que vieram das férias em Orlando, pois possuem um incentivo ao estudo, consciência sobre si como indivíduo em uma sociedade. O que não dá tempo de quem precisa vender bala no sinal aprender, nem da mãe que trabalha em 2 empregos ensinar. Eu não acredito em uma educação que só sirva para ensinar a ler e fazer cálculo, que prepare o aluno para contar sem saber para que serve o resultado, ler sem saber o que o texto está dizendo, viver sem saber que está vivo, como diria Mc Xamã “Ver o universo atrás da cortina”. A educação precisa ser libertadora, apresentar o que a ciência, que é o nosso melhor método para nos aproximarmos cada vez mais da verdade, tenha a apresentar. Desde calcular o diâmetro de uma figura geométrica, até o que a história, sociologia tem a dizer sobre a desigualdade social, o que a biologia e psicologia tem a dizer sobre gêneros, mesmo que isso vá contra as ideologias de alguns, Djonga já dizia “Quem se ofende com a verdade é o culpado”. É necessário dar para cada ser humano a liberdade de pensamento, ensinar a questionar a realidade que não é, mas está aí e é alterável. Uma educação que não ensine o aluno a questionar, só é boa para quem quer que as pessoas não pensem.  
Acredito que certas atividades como a análise crítica de um texto é uma atividade atemporal e sempre vai ser boa, o que muda são os textos. Paulo Freire dizia que fazer como Paulo Freire não é fazer o que ele fazia, mas fazer o que ele faria se estivesse lá naquele tempo. Precisamos falar a mesma língua dos alunos e traze-los para protagonista da escola, da sala de aula, das histórias contadas na sala de aula, dos textos usados. Me lembro de eu, quando criança, assistindo filmes estadunidenses e achando estranho como era a escola, as roupas, as pessoas. Também me lembro de assistir Cidade dos Homens e ver o Laranjinha e Acerola numa escola igual a minha, com o mesmo uniforme, as pessoas, me identificar com o Laranjinha que não tinha para quem dar o cartão que ele fez no dia dos pais. Ou mesmo ouvir uma música do Mc Xamã que fala “Eu que mando nessa porra, Campo Grande, Cachamorra, 44, eu vim de Santa Margarida”, você morando, conhecendo ou estando em Santa Margarida, se identifica na hora. Me lembro de quando estava estagiando em uma escola em Santa Margarida e ia e voltava escutando Mc Xamã, brincava dizendo que era como orar em Jerusalém. A música que diz “To tirando onda de Camaro amarelo” pode ter um ritmo bom, ser engraçada ou bons empresários para colocar o artista em todos os programas de TV até ficar famosa, mas quando Mc Xamã canta “Esperando o 397, sob o chuvisco do meu sorriso moleque, amanhã gravo minha primeira track, ontem sonhei que vivia de rap” e você já esperou o 397, você se sente parte da música e cria um laço. Por isso o Rap é importante, o que todas aquelas músicas tinham em comum era que traziam para protagonista quem é não é nem figurante. De Sidoka exaltando a juventude, Ebony dizendo claramente “Olha a marra dessa preta” ou como ela diz na música com o nosso padrinho FBC “Ser de favela não é vergonha pra ninguém [...] Eu inspiro manos que são igual a gente”.  
É por isso que devemos usar o Rap, ele já chama atenção por trazer o aluno para protagonista, é só aproveitar isso e inserir o letramento, seja em Português interpretando SIdoka, em história discutindo sobre o período da escravidão com Djonga, em filosofia com Don L, Sociologia discutindo a criminalidade com NGC.Borges. Devemos usar o Rap ao nosso favor, acredito que se Paulo Freire estivesse aqui, faria isso. 

RECOMENDAÇÕES 
Algumas músicas citadas acima podem ser pesadas para trabalhar em sala de aula com alunos mais jovens, esse texto foi escrito para professores e eu queria mostrar o rap e sua variedade, não mostrara somente exemplos como Criolo ou Gabriel Pensador que já são aceitos, usados como único exemplo de Rap pela mídia porque são “mais leves”. Minha intenção era apresentar o Rap para quem ainda acha que é só aquilo, então, segue algumas recomendações para facilitar quem deseja procurar músicas para trabalhar ou se conectar mais com a juventude. 

- Toda discografia dos Racionais Mc's, o grupo mais importante do Rap nacional.
- Don L talvez seja o melhor rapper do mundo, vale a pena conferir Roteiro pra Ainouz e outros trabalhos.
- Criolo é a ponte entre o samba, MPB e o rap, toda sua discografia é maravilhosa.
- Djonga é o Rapper mais famoso da nova geração, sua discografia é essencial para compreender o Rap.
- BK é o dono do melhor disco de rap nacional da nova geração do rap, "Castelos & Ruinas" é um disco complexo, difícil de compreender cada referência, mas é um disco para dar replay 100 vezes e perceber cada vez uma nova referência.
- Emicida é o elo entre a velha escola do Rap e a nova, vale a pena conferir sua discografia e a evolução do artista.
- ADL é um grupo muito importante para o Rap nacional, com a cypher Favela Vive, sendo uma das maiores do mundo.
- FBC é um artista único, principalmente nas redes sociais, fazendo questão de manter contato com os fans, sempre se reinventando e não perdendo sua essencia, um dos melhores artistas brasileiros.
- Rincon Sapiência é um Mc que exalta a cultura africana, tratando de uma maneira mais leve, bom para trabalhar com alunos mais jovens.
- Rico Dalasam é um artista incrível que está entre o Rap e o Pop, ótimo para trabalhar temas como homofobia.
- Amiri é o Mc mais técnico do rap nacional, que trata sobre temas como depressão e racismo, com uma técnica impecável e genialidade de brincar com as palavras, uma frase dele que define um pouco é "Eu vou contrariar teu carrossel agora, lendo O CIRILO de trás para frente".
- Baco é protagonista de um evento muito importante do Rap, onde o centro dos olhares parou de ser somente São Paulo e Rio de Janeiro e passou a ser o Brasil inteiro, essencial para a revelação de artistas como Djonga e Matuê, que são os maiores atualmente, seu disco Bluesman é sua maior obra.
- Sant é um Mc único, se destacando em todas as músicas que participa, suas músicas são muito intimas e sinceras, assim como o artista, com certeza, um dos melhores do mundo.

Existem muitos outros artistas, inclusive muitas mulheres como Negra Li, Karol Conka, Drik Barbosa, Clara Lima, Gabz, e muitas outras, também tem artistas LGBTQ+ como Lucas Boombeat, Guigo, Murilo Zyess, Tchelo Gomez e outros.
Destaque para Trizz com uma das músicas mais lindas da língua portuguesa e Bivolt com duas músicas que, quando tocadas juntas, viram outra.

Não dá para colocar todos, ficaram muitos artistas bons de fora como Cesar, Ret, Chris ou Xamã, mas acredito que seja sufiente para se aprofundar bastante no Rap, como dizia Mr. Catra: Vamos traficar cultura?


  * Luan Clem é professor Formado pelo Instituto de Educação Sarah Kubitschek.

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